Cantigas do folclore de Urzelina - São Jorge

"MANGERICÃO"

I
O mangericão é sono
quem tem sono vai dormir
tenho sono mas não durmo
para bem de te assistir.

II

Deitei um limão de rolo
à tua porta parou
quando o limão te quer bem
que fará quem o deitou.

III

O mangericão na serra
não cresce nem faz toiça
também vós minha menina
sois uma e pareceis outra.

IV

Mangericão doiradinho
doiradinho até ao pé
meu coração é só teu
diz-me o teu para quem é.

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"SOLTEIRAS"

I

As solteirinhas são d´ouro
e as casadas são de prata
e as viúvas são de cobre
e as velhinhas são de lata.

II

Ai solteiras, lindas solteiras
ai solteiras, não quero mais
ai, por causa das solteirinhas
ai, fogem os filhos aos pais.

III

Ai solteirinha não te cases
ai, goza a tua boa vida
ai, que eu já vi uma casada
ai, a chorar d`arrependida.

IV

Casadinha de oito dias
ai, ela lá vem a chorar
pela vida de solteira
ai, que não a soube gozar.

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"LADRÃO"

I

Ó ladrão, ladrão
ó ladrão maldito
tu falas e negas
tudo o que tens dito.

II

O ladrão do velho
toda a noite andou
com um rato na boca
e nunca o matou.

III

O ladrão do velho
toda a noite grita
que a filha mais velha
matou-lhe a cabrita.

IV

O ladrão do velho
era garrafeiro
vendia garrafas,
ganhava dinheiro.

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"REMA"

I

Rema para lá lanchinha
lanchinha de quatro remos
amanhã é dia santo
temos vagar falaremos.

II

Eu a remar para te ver
tu a fugires de mim
é certo que eu mais te quero
do que tu me queres a mim.

III

Coitado de quem rema, rema
que rema na lancha alheia
todo o dia rema, rema
e à noite fica sem ceia.

IV

Parti uma laranja ao meio
metade deitei-a fora
da outra fiz um barquinho
anda amor vamos embora.

V

Aí vem a Barca Nova
que se vai deitar ao mar
Nossa Senhora vem nela
e os anjos vão a remar.

VI

O mar também é casado
também tem sua mulher
é casado com a areia
dá-lhe beijos quando quer.

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"SÃO GONÇALO"

I

São Gonçalo de Amarante
casamenteiro das velhas
porque não casais as novas!
Que mal vos fizeram elas?

II

São Gonçalo me chamou
pela porta da cozinha
que fosse cear com ele
recheado de galinha.

III

Rola, rola São Gonçalo
meu santinho rolador
quem há-de pedir aos santos
pede a Deus Nosso Senhor.

IV

Prometi a São Gonçalo
prometi hei-de o fazer
um belo pires de papas
para o santinho comer.

V

São Gonçalo já é velho
é velho, é maniado
anoitece na igreja
amanhece no serrado.

VI

São gonçalo já é velho
de velho, já não tem dentes
Deus dê o céu à velhinha
que lhe dava papas quentes.

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"CANTIGAS TRADICIONAIS JORGENSES"

I

Portugal não chega a ter
dois homens com tanta fama
só se tornar a nascer
Pombal e Vasco da Gama.

II

Perguntei um dia a Deus
se era pecado cantar
respondeu-me um anjo louro
quem canta vive a rezar.

III

Quero cantar, ser alegre
não quero entristecer
quem é triste logo morre
ainda não quero morrer.

IV

Sabia tanta cantiga
todas o vento levou
só a do meu amorzinho
na memória me ficou.

V

Não há terra como a nossa
para amar e querer bem
não há amor como o primeiro
enquanto o outro não vem.

VI

Quero cantar, ser alegre
que a tristeza não faz bem
que eu nunca vi a tristeza
dar de comer a ninguém.

VII

Eu vou por aqui abaixo
como quem não tem ninguém
apanhar a linda rosa
que aquela roseira tem.

VIII

Quero cantar mas não posso
falta-me a respiração
falta-me a luz dos teus olhos
amor do meu coração.

IX

Já não tenho coração
já no peito me morreu
sem coração ninguém vive
ó amor, dá-me esse teu.

X

Por o céu vai uma nuvem
todos dizem, bem a vi
todos falam e murmuram
ninguém olha para si.

XI

Eu vi minha mãe rezando
junto da Birgem Maria
era uma santa escutando
o que outra santa dizia.

XII

Esta noite choveu ouro
diamantes orvalhou
lá vem o sol com seus raios
enxugar quem se alagou.

XIII

Acabaste de cantar
agora começo eu
começa o meu coração
a dar combates ao teu.

XIV

Com três letrinhas apenas
se escreve a palavra mãe
uma palavra tão pequena
e a maior que o mundo tem.

XV

Teu nome escrevi na areia
que a banha o vizinho mar
eu vi as ondas pulando
teu nome virem beijar.

XVI

Rua abaixo, rua acima
toda a gente me quer bem
só a mãe do meu amor
não sei que raiva me tem.

XVII

Atirei uma laranja
na rua direita ao cais
para ver se te esquecia
cada vez me lembras mais.

XVIII

Urzelina tão ditosa
o Senhor te abençoou
tu és a mais linda rosa
que a natureza criou.

XIX

Urzelina, linda terra
colocada à beira-mar
tantas belezas encerra
que não se podem contar.

XX

Na mão fechei um sorriso
da tua boca mimosa
quando fui abrir a mão
tinha a palma côr-de-rosa.

XXI

Ó São Jorge, ilha querida
que me beijaste em criança
através da minha vida
há-des ser a minha esperança.

XXII

Parti uma laranja ao meio
metade deitei-a fora
da outra fiz um barquinho
anda amor, vamos embora.

XXIII

Este mundo é uma vinha
cada casa, uma latada
vem a morte, leva tudo
fica a vinha vindimada.

XXIV

Os olhos pretos são falsos
os azuis são lisongeiros
os olhos acastanhados
é que são os verdadeiros.

XXV

O mar também é casado
também tem sua mulher
é casado com a areia
dá-lhe beijos quando quer.

XXVI

Quero muito aos teus olhos
muito mais quero aos meus
se não fossem os meus olhos
não podia ver os teus.

XXVII

Os teus olhos juvenis
são como duas auroras
dão-nos luz quando sorris
e pérolas quando choras.

XXVIII

Ó São Jorge, ilha querida
que em ti me viste nascer
és meu refúgio na vida
quero em teu seio morrer.

XXIX

As ondas do mar são tristes
que vêm à praia gemer
assim é o meu coração
que chora por te não ver.

XXX

É São Jorge a minha terra
embora alguém se zangue
eu por ela faço guerra
derramo todo o meu sangue.

XXXI

Passar a serra de noite
nem por ti, nem por ninguém
se caio nalgum valado
morro sem saber por quem.

XXXII

Urzelina, Urzelina
são quatro dias de Verão
fatia de pão de rala
cachinho d´uvas na mão.